24 outubro 2012

Não se permita ser expulso da festa


Neste fim de semana assisti a alguns episódios soltos do badalado The Walking Dead. O negócio é até interessante; não deixa de ser recheado de clichês para quem vem da escola de zumbis dos anos 70/80, mas é competente. Porém o que me chamou atenção foi que, nos 3 episódios que vi, por umas 3 vezes ou mais alguns personagens reprovavam duramente os outros (vivos ou mortos) por terem "desistido".  Desistido de salvar a vida de alguém ou desistido da própria vida.

Não consegui deixar de pensar em qual é o grande problema em "desistir", seja lá do que for. Não falo de incompetência, deixar de fazer algo por simples preguiça ou conformismo, mas do ato deliberado da desistência. Afinal, o indivíduo que, ao verificar todas as suas alternativas, e decidir que o melhor a fazer é desistir, deixar de perseguir algo que passa a julgar irrelevante ou inalcançável, pode ser considerado tão desprezível? A desistência por meio de uma decisão não é, assim como qualquer outra ação, um ato de manifestação do arbítrio do indivíduo?  

Fiquei a pensar, e não soube responder, em qual momento da nossa história a desistência passou a ser considerada um pecado tão miserável, a ponto de seus praticantes serem considerados uma espécie de doentes perigosos para a sociedade e merecerem, se não punições, no mínimo o desprezo.
               
Necessário notar também a problemática com a "desistência" suprema, que é a de desistir da própria vida. Não é necessário falar muito a respeito da influência cristã no julgamento do ato suicida, sua relação com uma visão de mundo onde o que prevalece é a sujeição do indivíduo às intempéries da vida; a humilhação no lugar do ato de rebeldia. Não consigo evitar de lembrar a forma com que Sêneca encara o suicídio, e das histórias que conta sobre pessoas honradas que preferiram tirar a própria vida a sujeitarem-se à servidão. Lembro também de sua bela metáfora, que parafraseio por não lembrar das palavras exatas; “uma pessoa não deve esperar ser expulsa de uma festa, mas deve sair por conta própria, com a dignidade da escolha; assim também é a vida” . A desistência é um ato de liberdade. 

10 setembro 2012

Um mito colossal


Sempre achei a ideia de som "monolítico" muito interessante e poderosa. Pensar em um tipo de sonoridade que não proporcione uma experiência apenas auditiva, mas também tátil. Camadas e mais camadas de som que mexem com a mente e o corpo. 

Mesmo me interessando muito pela ideia, nunca havia sido possível passar por essa experiência de forma convincente, pois não há como isso funcionar quando se ouve uma música por fones de ouvido. Também não possuo um equipamento de som digno de uma aparelhagem de shows, que me permita simular esse efeito. 

Não havia experimentado até ontem, quando tive a oportunidade de assistir a banda de São Paulo O Mito da Caverna. 

Não penso em tentar descrever o som da banda, afinal é só ir ao myspace ou bandcamp e ouvir. O significativo para mim nesta nota é falar da experiência. Não há como dizer que participar de um show assim seja como assistir um outro qualquer, por mais "pesada" que a banda seja considerada. Depois da noite de ontem começo a definir as coisas assim: existem bandas pesadas, e existem as "opressoras", e é aí que O Mito se encaixa. Você não só ouve o som, ele toca você. É uma matéria tão absurda de som, com um clima tão angustiante e colossal, que com o tempo se perde a vontade de olhar para a banda, afinal tudo nessa situação funciona de forma diferente. Num show comum temos a curiosidade de ver a performance dos músicos no palco; não foi assim que as coisas aconteceram ontem. O som lento, arrastado, "morto" como os membros da banda chamam, faz com que observar os músicos se torne algo tedioso, mesmo chato. Quando se percebe que olhar para frente não faz sentido é que a "magia" acontece. É como se não houvesse para onde fugir, o monstro sonoro está ao seu redor, e tudo que você pode fazer é se encolher e senti-lo encostando em você. Surge uma vontade de fechar os olhos, anular esse sentido que não tem valor nenhum agora, e deixar que só seus ouvidos e corpo participem da experiência. Você vibra, o corpo balança, e os ouvidos angustiados tentam descobrir o que está havendo, procurando decifrar as frequências titânicas. 

Eles tocaram apenas dois sons. Não tenho ideia de quanto tempo durou o show, tão imerso eu estava naquela situação. A única certeza é de que foram cerca de 40 a 60 minutos de apresentação. Quando tudo acaba, é como se voltássemos para dentro daquela caverna da alegoria que dá nome à banda, deixando para trás aqueles momentos angustiantes de experimentação de um momento de liberdade (ao menos estética).


Interessante como assistir ao vídeo não dá a menor noção de como é ter estado lá. 

23 agosto 2012

Cantodea Animada

Conheci Sopor Aeternus com uns 18 anos, quando um conhecido me enviou um mp3 pelo velho mIRC. Lembro como fiquei surpreso com tudo em relação àquele projeto musical tão "esquisito"; o visual da pessoa, que até então eu não sabia ser homem ou mulher, a música, as letras e, principalmente, os vocais. O primeiro som que ouvi foi a fantástica The Sleeper, uma versão musicada do poema de mesmo nome do Poe. De lá para cá acompanho tudo o que posso a respeito da "Deusa" Anna-Varney, e hoje conheci esta animação muito bacana feita por um admirador do "Ensemble of Shadows".





01 agosto 2012

...há muita beleza aqui, como há muita beleza em toda parte

Viver por muito tempo em um mesmo lugar pode causar o amor e a vontade de permanecer ou o abuso e uma necessidade de partir. Há algum tempo tenho experimentado essa segunda situação com minha vivência onde moro. Um desejo desesperado de fixar-me em algum outro lugar, deixar para trás estas ruas cinzas e barulhentas, estes montes de fumaça e concreto, esta gente cansativa. 

Estive firme nesta convicção até deparar-me, por coincidência, com algumas passagens de Sêneca, em suas cartas para Lucílio, em que o romano afirma que a mudança de ares não é nada se não se transforma a pessoa primeiro. Podemos ir a qualquer lugar, livrarmo-nos de qualquer coisa, mas nunca de nós mesmos, e se for algo pessoal que nos incomoda, isso estará em qualquer lugar, não importa onde. Essas passagens fizeram-me repensar toda essa "necessidade" que eu acreditava ser essencial para sentir-me mais realizado, de alguma forma, e pensar mais sobre mim mesmo, em como sou no local em que estou.

E hoje, mais uma vez por coincidência, encontrei umas palavras de Rilke sobre Roma que também foram um bocado elucidativas:

"Não, aqui não há mais beleza do que em qualquer outro lugar, e todos esses objetos admirados ao longo de gerações, recuperados e completados por artesãos não têm significado algum, não são nada e não possuem coração nem valor algum - no entanto há muita beleza aqui, como há muita beleza em toda parte". 


13 junho 2012

Notas de um apocalipse pessoal #1

Afastar as pertubações, uma por uma, é meu plano. Sei que sou um fodido que nunca leva os planos pra frente, mas eu posso sempre tentar, afinal, tudo o que podemos fazer na vida é tentar. Se vai dar certo ou não, deve haver algum infeliz sentado nas nuvens olhando para nós e escolhendo quem vai rir e chorar, e dando gargalhadas de tudo isso. Dessa piada que é a vida. Somos muito infelizes, todo mundo é infeliz, e talvez a maior fonte dessa infelicidade seja o contato constante de uns com os outros. Somos animais. Não deveríamos ficar o tempo todo encarando conviver com outras pessoas, nos limita o espaço, nos faz nos compararmos, querer o que o outro tem, saber o que o outro sabe, sentir o que o outro sente. Não conseguimos ser nós mesmos, e tudo se torna infinitamente ridículo. Tão ridículo quanto dormir sem sono, para acordar cedo e ir para um trabalho que se despreza. 

07 maio 2012

Angústia



A angústia da pobreza, angústia da solidão inconsolável, angústia por uma condição humana insuportável.

"Lembrava-me de outro indivíduo infeliz, um sertanejo que vi há muitos anos, quando ele saía da prisão depois de cumprir sentença. Era um cearense esfomeado que tinha aparecido na vila em tempo de seca. Esmolambado, cheio de feridas, trazia escanchada no pescoço uma filhinha de quatro anos. Tinham ido morar na rua das putas e viviam de esmolas. Um dia as vizinhas ouviram gritos na casinha de palha e taipa que eles ocupavam. Juntaram-se curiosos, olharam por um buraco da parede e viram o homem na esteira, nu, abrindo à força as pernas da filha nua, ensanguentada. Arrombaram a porta, passaram o homem nu na embira, deram-lhe pancada de criar bicho - e ele confessou, debaixo do zinco, meio morto, que tinha estuprado a menina. Processo, condenação no júri. Anos depois os médicos examinaram a pequena: estava inteirinha. O que havia era sujidade e um corrimento. Tratando a doença da filha com remédios brutos da medicina sertaneja, o homem tinha sido preso, espancado, julgado e condenado."

Graciliano Ramos,  em  Angústia.

13 março 2012

Aceite nunca alcançar o nada

Não sei o que é pior, não ter nada, ou desejar não querer nada. Na verdade, nem sei se alguma das duas possibilidades é atingível. Queira ou não, sempre teremos algo; uma dúvida, um amigo distante, um resto de amor que dói, involuntário, como restos de comida nos dentes gastos. Queira ou não, sempre desejamos algo; você pode ter perdido completamente o encanto pela vida, mas o desapego a tudo será sempre um exercício repetitivo, ingrato, afinal, quando se deseja não desejar nada, este forte desejo evoca um oxímoro cíclico nauseante que culmina, ou no auto-engano fantasioso, ou na falta miserável.

Assim, procuro uma postura para quem deseja ver-se liberto daquela que, para mim, é a maior forma de opressão, sua própria limitação imposta pelo medo, pela insegurança, por um senso de moral que prioriza a tudo e todos, menos a própria felicidade. Talvez nós trabalhemos com um senso de felicidade tão estilizado pelos seriados americanos, pelas novelas e pelos comerciais de cerveja, que somos impelidos a perseguir um ideal impossivel, um estado de espírito incompatível com o que é ser humano e civilizado.

E as pessoas sabem disso cada vez mais, inconscientemente, e buscam essa felicidade cada vez mais, conscientemente, e na falha enchem-se de remédios, de álcool, de roupas e carros, de livros e filosofia, do mais infeliz senso de religião. Mas esta é a nossa natureza, desde que homens e mulheres decidiram dividir o mesmo espaço, compartilhar suas vidas uns com os outros. Somos completamente indefesos e incapazes de enfrentar tudo o que nos assola, mas aquele que finge conseguir é considerado o humano mais hábil.

31 janeiro 2012

Liberdade versus anarquia

O conceito de liberdade proposto pelo pensador francês Alain de Benoist no artigo "A decadência da sociedade moderna" me soa um tanto estranho e não consigo imaginar como alguém pode ligá-lo a ideais anarquistas, o que me faz pensar na possibilidade de estes movimentos mutantes "anarco-tradicionalistas" (ou termos genéricos) serem mesmo cavalos de tróia para ideais conservadores, principalmente raciais, dentro dos círculos revolucionários.

LIBERDADE

Para Benoist a liberdade é alcançada, e plenamente realizada, quando o indivíduo pertencente à tribo ou nação, e identificado com ela, pratica ações que não vão contra o que é considerado correto para o povo como um todo. Pelo fato de se sentir plenamente identificado com os valores ao seu redor, suas ações serão sempre formas de participação/contribuição social. Nas palavras do filósofo, “suas ações não trairão a comunidade”.

Assim, em sociedades em que os indivíduos não se sentem ligados por hereditariedade às suas respectivas culturas (em sociedades neoliberais/multiétnicas), exercer liberdade individual passaria a ser apenas um jogo de valores individuais opostos, que Benoist chama de egoístas.

LIBERDADE X ANARQUIA

Não é difícil assimilar esse conceito de liberdade se pensarmos em termos de políticas conservadoras, ou de "nova-direita", como proposta pelo próprio Benoist. O intrigante é, como dito no início, valer-se desse conceito dentro de um movimento que utiliza anarquismo no nome.

Talvez seja uma discussão relevante, pois sempre que pensamos em anarquismo, fazemos uma relação automática com ideais libertários (ou pelo menos a maioria de nós), de autodeterminação individual e, conseqüentemente, comunitária. Mas esse automatismo no conceito de anarquia tem sido “revisionado” por representantes de um dito "tradicionalismo revolucionário", que enxerga o estado como um fomentador da competição entre as pessoas e de ideais individualistas, que destroem o senso de identidade e fidelidade à tradição e à hereditariedade.

Utilizo como exemplo o anarco-nacionalismo defendido - e, se não me engano, fundado - por Troy Southgate. Para ele o estado representa um opositor, além de um opressor, ao ideal de nação calcado em valores raciais. Assim o termo "anarquismo" não designa mais que apenas a negação do estado. Ou seja, de forma alguma "liberdade" aproximar-se-á de um comportamento libertário. Pelo contrário, a liberdade neste “anarquismo” se realiza na fidelidade à nação. Trocamos então a palavra "estado" por "nação" na clássica "tudo pelo estado, nada fora do estado".


30 janeiro 2012

A primeira publicação do último ano


É, voltemos antes que o universo nos engula. Fim de ano conturbado, muita destruição e reconstrução. É hora de utilizar uma palavra que a L. gosta muito: retomar. Foram alguns meses de perdição, mas é hora de retomar minha vida.