13 outubro 2010

Dois mundos colidem

É comum ouvir de pessoas "politizadas" o argumento de que o futebol aliena as pessoas, faz com que fiquem submissas a um espetáculo para que mantenham-se ocupadas, enquanto os acontecimentos realmente "importantes" acontecem por trás das cortinas. Alguns o comparam à religião, o clichê ópio do povo.

Sou de opinião absolutamente contrária. Concordo com Galeano, quando diz que o futebol é como uma peça de teatro, e como em tal, há vários atores envolvidos, e pode se valer de várias tramas. Assim, é óbvio que podemos relacionar o futebol, em várias situações, à alienação coletiva, como por exemplo, o efeito que a copa do mundo causa no Brasileiro. Há também as alianças milionárias entre clubes e empresas, as contratações das grandes "estrelas" que enriquecem o futebol como espetáculo, e mancham-no como esporte.

Por outro lado, certas manifestações servem para lembrar que o futebol vai muito além de fanáticos alienados que gastam todos os seus neurônios acompanhando tabelas, e seu dinheiro em cervejas para ver o jogo na televisão. Não tenho intenção de comentar exemplos clássicos como os dos clubes St. Pauli, Barcelona, Livorno, etc. O que me incentivou a rascunhar estas poucas linhas foi o incidente desta última terça-feira, na partida entre a Sérvia e a Itália, pelas eliminatórias da EuroCopa-2012.

Cenário: alguns torcedores sérvios (torcida do time Estrela Vermelha) tentaram atacar o ônibus de sua própria seleção, tendo como alvo o goleiro Vladimir Stojkovic. Motivadores: um gol sofrido por Stojkovic na última partida da Sérvia, contra a Estônia, e a transferência do goleiro para a equipe Partisan.


A imprensa marca como principal causa dos incidentes a ira da torcida para com o fato de Stojkovic ter sido o "principal" responsável pela derrota da seleção Sérvia, e deixa de lado um detalhe, a nosso ver, mais importante: a consciência - mesmo que primitiva - que têm alguns torcedores: A de que o futebol deveria ser uma manifestação de paixão, de amor pelo time em que se joga, e não um espetáculo capitalista, comandado pelo dinheiro e suas manipulações. Vladimir Stojkovic jogava pelo Estrela Vermelha, time que tem como maior rival o Partisan. A rivalidade entre as duas equipes de Belgrado é conhecida como uma das maiores da Europa, e a partida entre elas é chamada de Clássico Eterno pelos torcedores dos times. O que aconteceu é que Vladimir rompeu o pacto da paixão que há no verdadeiro futebol. Ao transitar entre as duas equipes demonstrou que não há respeito pelo que representam e sim por quanto podem pagar. Ele não é um jogador de um time, representante de uma equipe, é um funcionário assalariado em busca do melhor emprego. Nem todos os torcedores aceitam isso.

Não tentamos justificar os atos de violência e vandalismo. Não há qualquer defesa para o que aconteceu no início da partida, muito menos no que diz respeito às tentativas de agressão da torcida para com Vladimir; os torcedores do Estrela Vermelha podem se orgulhar de sua consciência, mas deveriam se envergonhar de seus atos. Havia outras formas, muito mais inteligentes, de demonstrar sua repulsa pela vergonha que é o futebol-mercado.

E enquanto houver resistência por parte de alguns clubes (por incrível que pareça, ainda existem), e de alguns torcedores, o chamado futebol-moderno ainda passará por poucas e boas. Os dois mundos continuarão a colidir; o do verdadeiro espírito e o do esporte-mercado.


Torcedores da Sérvia causam tumulto em Gênova antes do jogo com a Itália, pelas eliminatóriaspara a Euro-12. O início do jogo atrasou 40 minutos por conta da confusão e acabou sendo cancelado. (Fonte: Uol)


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