11 abril 2016

Viracocha

"Mas o aspecto mais extraordinário, e profundamente tocante, de Viracocha, essa nobremente concebida versão peruana do Deus Universal, reside no detalhe que lhe pertence de modo peculiar, suas lágrimas. As águas vivas são as lágrimas de deus. Nesse ponto, a percepção desalentadora do mundo que teve o monge - "Toda a vida é triste" - é combinada com a afirmação criadora do mundo, feita pelo pai: "Que a vida se faça!". Tendo plena consciência da angústia de vida das criaturas que se acham em suas mãos, com perfeito conhecimento das dolorosas aflições incontroláveis das dores, dos fogos que dividem o cérebro do universo delusório, autodevastador, luxurioso e raivoso de sua criação, essa divindade concorda com a tarefa de fornecer vida à vida. Retirar as águas seminais equivaleria a aniquilar o mundo que conhecemos; no entanto, dar-lhes vazão seria criá-lo. Pois a essência do tempo é o fluxo, a dissolução do momentaneamente existente; e a essência da vida é o tempo. Em sua misericórdia, em seu amor pelas formas temporais, esse demiúrgico homem dos homens traz consolo ao mar de sofrimentos; mas, tendo plena consciência do que faz, as águas seminais da vida que ele dá são as lágrimas que traz nos olhos."

Joseph Campbell, O Herói de Mil Faces