14 junho 2011

Arterapia?

Há uns dois anos peguei um panfleto onde um diretor de escola, para anunciar o curso de artes plásticas de sua instituição, citava os porquês da importância da arte. Dentre esses motivos o de maior destaque era sua suposta função terapêutica. Incomodei-me imediatamente com essa concepção e cheguei a rascunhar algumas linhas a respeito disso em algum caderno, onde afirmei acreditar que a arte, se vista como mera válvula de escape para os problemas pessoais do autor, não passaria de um medíocre processo de auto-ajuda, dificilmente validado como arte.

Hoje, ao ler algumas linhas dos cursos de estética de Hegel, precisamente no momento em que ele discorre sobre as possíveis finalidades da arte, lembrei-me desse ocorrido. É claro que o alemão não fala sobre a possibilidade de uma ignóbil função terapêutica para o fazer artístico, mas analisa uma concepção que se aproxima bastante, ao meu ver; a idéia da arte ter como fim a instrução. Idéia essa que ele rapidamente invalida, no seguinte trecho:

"Mas se a finalidade da instrução deve ser tratada como finalidade, de tal modo que a natureza universal do Conteúdo exposto deva surgir e ser explicitada diretamente por si como enunciado abstrato, reflexão prosaica e doutrina universal e não apenas estar contida indireta e implicitamente na configuração artística concreta, então a forma sensível e plástica, que justamente faz com que a obra de arte seja uma obra de arte, se torna por meio de tal separação apenas um acréscimo ocioso, um invólucro que, como mero invólucro, é apenas uma aparência, que foi expressamente estabelecida como mera aparência. E, assim, a própria natureza da obra de arte é deturpada".

Ao pensar o fazer artístico como uma atividade de terapia o tal diretor infringe a arte, no que diz respeito à sua não-limitação, considerando-a um mero processo valorativo em si mesmo, onde a necessidade do questionamento forma/conteúdo perde espaço para uma atividade de valor meramente lúdico, contrário à finalidade pedagógica negada por Hegel, mas igualmente falsa, por estar posicionada no outro extremo da medida; a arte não pode ser apenas instrutiva, assim como não pode ser puro entretenimento. O filósofo também chega a essa conclusão.

Afirmar que a arte teria um objetivo instrutivo significa dizer que ela deva, necessariamente, transportar um conteúdo a ser transmitido, ensinado ao observador. Quando algo tem a pretensão de ensinar alguma coisa a alguém, esse processo deve ser realizado com o mínimo de interferência, a fim de que a apreensão do conteúdo não seja prejudicada. A noção de arte como forma de ensinar esbarra então no seguinte paradoxo: arte é forma + conteúdo, e a forma, dentro dessa concepção, seria uma distração ao redor do fator essencial, o conteúdo a ser transmitido. Desta maneira o conteúdo seria elevado a uma posição muito superior à forma no objeto artístico, se possível suprimindo-a, o que sabemos não ser uma pretensão real.

Se pensarmos então no tal valor terapêutico a coisa se complica ainda mais, e chega a um nível muito inferior ao de pensar a arte como tendo valor exclusivo no conteúdo ou na forma; chegamos a uma concepção onde o fazer artístico seria o fim a ser atingido, ou seja, o próprio processo elevado a objetivo máximo, o que significa dizer que não importa a mensagem a ser passada, muito menos a forma final a ser atingida com o objeto, o que nos vale é o prazer, a serenidade do momento em que passamos o pincel sobre uma tela, ou rabiscamos algumas linhas sobre um papel. O resultado disso pouco importaria. Pode isso ser arte?