28 dezembro 2010

Por mais que tente, nunca irá afastá-la

Hoje o R. me apresentou ao artista Gabo Ferro, e pude conhecer esta canção fabulosa chamada Sobre Madera Rosa.

Tengo un mandala
pintado en Jaipur
bajo un vaso con agua con dos gotas de gin
Una trampa cazadora de espíritus del Japón
y un espejo que atesora el origen del sueño
Una muñequita vudu
con los miembros zurcidos con pelo de cabra negra
Una pulsera con semillas sagradas
florecidas y perfumadas
Tengo un manuscrito
sin rótulos ni tapas
con grabados de una mujer partida en tres
Una mascara del Durbán
y una rueda mágica enlazada a un asno
Una falda turca de un ajuar
y un retrato grabado sobre madera rosa
Serenidad escrito en una lengua muerta
con sangre de niño y de casadera
Y sobre un formidable insecto embalsamado
con los ojos picados por querer aparearse
Con las alas cuarteadas y todavía con sangre
una imagen tuya conmigo fuera de plano.

Gabo Ferro



13 dezembro 2010

Vivo


"Quando se vive para a vingança,
e o objeto dessa vingança morre,
a vida não faz mais sentido"




Assisti Zinda, que eu pensava ser, declaradamente, um remake do maravilhoso Oldboy. Ao pesquisar sobre o filme descobri que os produtores não afirmam que, sequer, basearam-se no filme sul-coreano, ou seja, juram de pés juntos que as semelhanças são meras coincidências. Certo, então. É fácil acreditar.

Excetuando a cara de pau dos realizadores indianos, o filme é ótimo. Confesso que o baixei apenas para rir do que achei ser uma completa trapalhada, praticamente uma paródia do original. Em vários momentos Zinda parece mesmo um outro filme, pois muitos pontos da história foram mudados, mas não há como fugir da saga de vingança de Oh-Dae Su. Estão aí os mais de dez anos preso em saber o porquê, o treinamento dentro da cela, o momento em que as técnicas de luta são testadas contra uns marginais na rua, e a famosa cena de luta contra dezenas de capangas, em um take só. Esperava muito por esta parte, e não me decepcionei. Mesmo não tendo a grandiosidade da cena original, Gupta (o diretor de Zinda) soube recriar algo digno, realocando a cena que, originalmente parece um jogo em 2D, para uma tomada em profundidade, utilizando as três dimensões.


Algo interessante de notar em Zinda é como a sexualidade é tratada de forma muito diversa ao filme sul-coreano. Não há qualquer menção ao incesto (que, segundo li, é um imenso tabu na Índia), e as cenas de "sexo" são apenas sugeridas. Em Oldboy há um momento em que alguns homens capturam a personagem Mi-Do e a amarram. Quando Oh-Dae Su chega na casa, Mi-Do está com a blusa aberta, e um seio de fora. Na versão Indiana a personagem Jenny está com a blusa aberta, mas de sutiã, o que nos passa a impressão de que os homens não tiveram ainda tempo de tocá-la, o que é desmentido pelo diálogo.


Concluindo, é um Oldboy indiano. Mas um Oldboy bastante diferente. Praticamente um outro filme que chupou algumas das sacadas geniais de Chan-Wook Park para compor uma outra história. E, para considerá-lo um bom filme, basta assisti-lo sem ter em mente o original.

11 dezembro 2010

Prontas para viver


Tenho aquela sensação permanente de que há uma idade para começar as coisas, seja ela qual for. Uma impressão de que, a certo momento da vida, pode ser tarde demais para iniciar um novo projeto, não haver mais tempo para aprender algo. Se você não começar logo, esqueça; seu tempo passou.

Assisti hoje o filme francês Le Hérisson que, segundo penso, tenta desconstruir esta visão de mundo, pois parece que não são poucos os que raciocinam como eu. Acredito que a diretora Mona Achache criou uma inversão de papéis, onde uma garotinha prestes a fazer 11 anos acredita não ter mais o que aprender da vida. Por outro lado, deposita em outra personagem, a zeladora, na casa dos 50 anos, a responsabilidade de reacender o brilho pela própria vida.

Acho que há uma sutil mensagem de desespero, uma forma de alertar para o fato de que se você espera demais, ou deixa a vida passar, quando a descobrir (ou redescobrir), pode ser tarde demais, pois a todo segundo já pode ser o nosso "tarde demais".

Se estamos o tempo todos sendo espreitados pelo nosso derradeiro momento, o que há para fazer? A mensagem da jovem Paloma vem logo no início; não é porque vamos morrer que precisamos vegetar a espera. O filme é um louvor à vida, a viver a vida a cada momento, para que quando a inesperada vier nos resgatar deste mundo, possamos saber exatamente o que estávamos fazendo nesse momento, e não nos arrependermos por poder ter feito algo melhor.

07 dezembro 2010

De quantas inspirações se faz um escritor?

Acredito que todos os que gostam de ler, verdadeiramente, já tentaram escrever algo. E todos que já tentaram escrever algo, em algum momento de suas vidas, encontraram o impasse da tal "inspiração".

Quando comecei a lidar com literatura, acreditava que os escritores eram seres escolhidos por forças divinas, que desciam à terra com o poder de contar maravilhas por meio de suas histórias escritas. Nessa época - era jovem - pensava que ninguém podia escolher, simplesmente, ser escritor. O escritor seria escolhido, só não sabia pelo que. Pela inspiração - uma musa - era uma boa resposta. Então o objeto desta reflexão deveria ser a tal inspiração.

Pois bem, se apenas uns poucos são agraciados com ela, quer dizer que não se podia escolher ser escritor, certo? O jovem e o religioso tem um ponto em comum: a crença de sempre há algo místico por trás das coisas. A inspiração era essa mística, essa benção concedida àqueles que nos brindam com seus relatos maravilhosos. Foi aí que li uma entrevista que bagunçou minhas ideias, falava que a literatura é mais transpiração do que inspiração. Para o autor de Morte e Vida Severina a literatura, como qualquer ofício humano, é produto da prática, do labor, da dedicação e aperfeiçoamento da técnica. Não adianta o sujeito ser agraciado com a mais alta inspiração, se for um preguiçoso que não se debruça sobre aquilo que lhe foi concedido. E assim João Cabral ensinou-me que sim, é possível escolher ser escritor, e para sê-lo, é necessário trabalhar. O violinista passa horas por dia ensaiando em seu instrumento, a bailarina sobre seus pés, por que diabos acreditar que o escritor senta em frente a uma folha de papel e ali "psicografa", de um só jato, todo o texto maravilhoso ditado por sua inspiração? Bobagem romântica.

Mesmo assim, para mim, ainda havia um ponto de interrogação ao redor da inspiração. Ela não é o estritamente necessário, mas também não é absolutamente descartável. Como diz o próprio João Cabral, o trabalho deve ser maior que a inspiração, mas não que ela não se faça presente, o que quer dizer que ainda assim precisamos dela. Foi quando comecei a pensar que a biografia seria estritamente relevante na obra de um bom escritor. Ele precisaria ter uma vivência interessante, conhecido muitas coisas, passado por situações as mais diversas, para ter material com o que trabalhar. Quer dizer, um homem comum, trabalhador semanal, sem dinheiro para viagens extraordinárias, não seria um escritor interessante. Felizmente, mas uma vez, cheguei à conclusão de que estava errado. Desta vez não por ler uma entrevista, mas por algumas reflexões ligadas à vida e obra de alguns escritores, embora, justiça seja feita, fortaleci meu ponto de vista com uma entrevista do Moacyr Scliar, onde ele afirma acreditar que o bom escritor é aquele que tem sensibilidade para retirar dos fatos mais corriqueiros particularidades suficientes para engendrar uma boa história.

No momento estou a ler o livro Papillon. É certo que Charrière (ou seja lá qual for o verdadeiro autor do livro) passou por poucas e boas, dignas de relatos extraordinários. Por outro lado, boa parte de sua história se passa dentro de celas escuras, onde várias vezes o personagem se encontra sozinho, e mesmo nesse momento o gênio literário prevalesce, conseguindo arrancar da rotina da reclusão solitária uma ótima história.