07 maio 2012

Angústia



A angústia da pobreza, angústia da solidão inconsolável, angústia por uma condição humana insuportável.

"Lembrava-me de outro indivíduo infeliz, um sertanejo que vi há muitos anos, quando ele saía da prisão depois de cumprir sentença. Era um cearense esfomeado que tinha aparecido na vila em tempo de seca. Esmolambado, cheio de feridas, trazia escanchada no pescoço uma filhinha de quatro anos. Tinham ido morar na rua das putas e viviam de esmolas. Um dia as vizinhas ouviram gritos na casinha de palha e taipa que eles ocupavam. Juntaram-se curiosos, olharam por um buraco da parede e viram o homem na esteira, nu, abrindo à força as pernas da filha nua, ensanguentada. Arrombaram a porta, passaram o homem nu na embira, deram-lhe pancada de criar bicho - e ele confessou, debaixo do zinco, meio morto, que tinha estuprado a menina. Processo, condenação no júri. Anos depois os médicos examinaram a pequena: estava inteirinha. O que havia era sujidade e um corrimento. Tratando a doença da filha com remédios brutos da medicina sertaneja, o homem tinha sido preso, espancado, julgado e condenado."

Graciliano Ramos,  em  Angústia.