11 abril 2020

A capa de Psychic Death (Acherontas)

O lançamento do novo álbum dos gregos do Acherontas foi adiado para junho, por motivos óbvios relacionados à epidemia viral que assola o planeta. Assim, chega para nós um single, intitulado Psychic Death, nome da faixa que será também título do álbum (Psychic Death - The Shattering of Perceptions é o título completo).

De acordo com o selo Agonia Records, que lançará o álbum, a banda é uma das entidades mais representativas na Nova Onda do Black Metal Grego, com carregadas influências da cena helênica de metal, rock 70's e de filosofias orientais. 

Amigos mais próximos ao black metal tem celebrado Acherontas já há algum tempo, o que eu nunca havia feito. Ando um pouco desligado das "cenas" black metal, mas foi o último parágrafo da descrição anterior que me fez parar e olhar para este lançamento com um pouco mais de cuidado. 

A começar pela capa, interessei-me pelo fato de haver uma escrita em devanágari, no logotipo da banda.


O devanágari é um alfabeto da família brâmica, usada desde o século XII, em muitas línguas da Índia, como o próprio hindi. É em devanágari também que são lidos e estudados os textos sagrados Védicos (Vedas), mas não em hindi, e sim em sânscrito.

Não sou nada além de um curioso e entusiasta do sânscrito, por isso tentei ler o que está escrito na capa. Por sua forma, não sei afirmar em que língua a frase está escrita. No meu curto entendimento, em sânscrito, quando há uma consoante sem vogal, ela é "acoplada" à consoante posterior, formando um novo símbolo. Assim, क + त formariam क्त, da mesma forma que प + र formam प्र. Na capa do single não há a junção das consoantes, mas o uso do virama (o traço abaixo da consoante), para indicar que não há uma vogal ali (no devanágari, toda consoante é sempre acompanhada do som "a", e se ele não estiver presente, é necessário indicar essa ausência).

Logo, talvez a frase não seja em sânscrito, mas alguma outra língua que obedece a regras diferentes de formação. Enfim. Transliterando para nosso alfabeto, encontrei as palavras Rakta Pravāha . Ao pé da letra temos a palavra "Sangue" seguida de "circulação" ou "corrente". Por uma tradução imediata teríamos "fluxo sanguíneo". É sugestivo que encontramos aqui uma frase relacionada a algum significado simbólico, não passível de ser resolvida pela literalidade.

Assim como não tenho certeza da língua usada pelos gregos na capa do álbum, também não sei a qual corrente de pensamento os mesmos se referem ao utilizar a frase. O que pude fazer foram algumas correlações para sanar minha própria curiosidade. Obviamente posso estar errado, mas qual o problema? 

Para além de "sangue", a palavra Rakta pode ter uma grande variedade de significados. Tais significados vão dos mais concretos, quando relacionada ao ayurveda, por exemplo, aos mais metafísicos.

Um famoso purana das tradições hindus, o Vayu Purana, discute uma gama de assuntos, como teorias cosmológicas, genealogia dos deuses e reis, mitologia, astronomia, etc. Neste texto, Rakta é o nome de um dos Kalpas, longos períodos de tempo nas cosmologias hindu e budista. Um Kalpa é equivalente a 4,32 bilhões de anos e Rakta seria o 30º Kalpa. Assim, lemos nos versos 20-23 do capítulo II do Vayu Purana:

20. O trigésimo Kalpa é famoso pelo nome Rakta onde o Ser de grande esplendor assumiu cor vermelha.
21. De Brahma, o deus supremo que, estando desejoso de um filho, estava empenhado em meditação, nasceu um menino de grande esplendor. Seu corpo era vermelho. Ele usava guirlandas e trajes vermelhos. Ele era de olhos vermelhos e valoroso.
22. Ao ver aquele menino de trajes vermelhos, ele entrou em meditação profunda e percebeu que ele era o grande senhor do universo.
23. Depois de se curvar a ele, Brahma ficou extremamente autocontrolado e meditou na forma Vāmadeva¹ de Brahman.

Já "Pravāha " não aparece no Vayu Purana. No texto podemos encontrar "pravaha" (com o "a" curto) como o nome de um dos ventos "carregadores de nuvens" (cap. 51, v. 36), e também como uma das camadas da atmosfera, aquela que "se estende das nuvens até o Sol" (cap. 16, v. 115). 

De acordo com algumas definições, é possível escrever Pravaha, sem o "a" longo (ā), com o mesmo significado de Pravāha, então obtemos um nome para "vento" novamente. Prahava pode ser o nome de um sopro vital que sempre se move para cima. Vento é também Vayú, que é, além disso, uma divindade. A forma de Vayú relacionada a pravaha é aquela que produz raios no céu.

E após toda essa divagação em torno das duas palavras chego, infelizmente, ao resultado de não ter encontrado nenhuma relação entre as duas. Nada além de "fluxo sanguíneo" chegou ao meu conhecimento. Continuarei com essa inquietação por um bom tempo. 

Notas.

¹. Forma de Shiva que aparece durante o Rakta Kalpa.

06 abril 2020

...tudo é esbanjo neste Templo do Mundo

"A chuva cai sobre os desertos assim como sobre os vales férteis; e o sol resplandece sobre as águas azuis assim como sobre os campos verdejantes; e orvalho não está atento para onde dorme, seja sobre o monte de estrume, ou entre as pétalas da rosa selvagem; pois tudo é esbanjo neste Templo do Mundo, onde no trono de riqueza inesgotável senta o Rei da Vida, arrancando as joias de sua garganta dourada, e atirando-as ao vento para serem levadas para os quatro cantos da Terra. Não existe economia aqui, nenhum acúmulo para a manhã; e mesmo assim não existe nenhum desperdício, nenhuma luxúria, pois todos que entram nesta Tesouraria da Vida se tornam um com as joias do tesouro."

De O Templo do Rei Salomão; O perdulário.