25 agosto 2010

Menos gente, mais carro

Acabou de passar uma reportagem no jornal da record sobre o crescimento do mercado de veículos de luxo no Brasil. Carros que custam mais de um milhão de reais. No final da matéria, a repórter (que nem me dou ao trabalho de decorar o nome) afirma que é "muita coragem comprar um carro desses, ainda mais em uma cidade violenta como São Paulo".

Eu me pergunto a que ponto chega a inocência/ignorância dessas pessoas para não perceber que se uma cidade como São Paulo é tão violenta, é justamente porque há gente que gasta um milhão de reais num único carro. É mais dinheiro do que uma pessoa irá ganhar durante toda a sua vida.

22 agosto 2010

O primeiro de todos

Havia aquele rapaz que, por pertencer a um povo, não tinha contato com o outro. Naquela época acreditava que os povos diferentes significavam incoerências existenciais insuperáveis, barreiras intransponíveis. É o que era ensinado a todos, pelos mais velhos do povo, pelos "conhecedores". E ainda é assim, mas o rapaz, com a lucidez da insatisfação adquirida pelo tempo e pelo desgosto, percebeu que dois povos se separam pela linha da incompreensão mútua, e que dois povos são um só, do início ao fim.

E daquela noite em diante, nada mais estaria entre ele e o homem.

"A primeira e a última letra da Torá formam a palavra coração. Não há mais conhecimento que o Amor. Você pode. Atreva-se. Você é um domador, e cada letra é um leão".

. . .


Noites de domingo são sempre infelizes. Há, é claro, algo que faz com que elas sejam suportáveis, mas ainda não possuo isso. Tenho uns dois anos de espera até que os domingos se tornem dias como outros. Até lá, vejo e revejo filmes.

18 agosto 2010

Cybercansaço

Tenho estado cansado de internet. O mal dela é que não é como um telefone, em que você se comunica com quem quer, diretamente, sem precisar "encontrar" com algo desnecessário na trajetória. E esse "algo" é sempre incomodo, detestável, a ponto de me fazer ter vontade de nunca mais acessar nada disso, e viver isolado, a ter a certeza de que terei contato somente com aquilo que estimo, com quem gosto.

Meu cansaço maior volta-se para os intelectuais de internet. Eu fico, como posso dizer, abestalhado de ver tanta gente escrevendo textos enormes, "eruditos", lotados de citações e mais citações de trinta diferentes filósofos e/ou escritores. Cansado de ler opiniões emitidas por pessoas que não se dão ao mínimo trabalho de formular um pensamento sequer, mas se acham muito sábias por entenderem um conceito político de Platão. É isso que nossas academias nos ensinam; seu texto deve ser um monobloco de citações de pessoas que "legitimem" o seu conhecimento, assim o estudante, ao invés de construir um texto próprio, brinca com um joguinho de lego, cujos bloquinhos sobrepostos são formados por pensamentos já formulados. Cabe a ele contextualizar aquilo dentro do que pretende dizer, ou deixar que digam por ele.

Posso concluir, sem vergonha alguma: sou antiacadêmico! Sim, digo, dane-se seu diploma de direito, seu mestrado em comunicação social, suas estúpidas horas de estudo! Eu digo, dane-se Platão e sua república, dane-se a dialética de qualquer alemão que seja, se você não é capaz de produzir uma única porcaria de texto em que a espinha dorsal não sejam duzentas citações inexpressivas.

Se é necessário citar, fico com Schopenhauer quando diz que um intelectual que se vale dos pensamentos de outrem é como um careca usando peruca, que cobre a cabeça com aquilo que não é seu, por carecer de fios próprios.

09 agosto 2010

Cada coração é uma célula libertária

Eu não assisti a muitos filmes na vida. Quando uma pessoa fala que já assistiu a muitos, eu espero que realmente sejam MUITOS. Não é meu caso. Não assisti a tantos, mas acredito ter visto filmes o suficiente para tornar-me um pouco chato. Certos clichês me aborrecem, e às vezes me fazem perder totalmente o interesse pelo filme.

Não na categoria de destruir um filme, mas na de aborrecer um tanto, está o mais frequente desses clichês: o caso de amor entre protagonistas. Eu gostaria de saber porque apenas em pouquíssimos filmes somos poupados dessa situação que, grande parte das vezes, acaba embolando e desvirtuando a trama. Às vezes um pouco, em outras, acabando completamente com o filme.

Ontem assisti ao alemão The Edukators que, assim como tantos, sofre dessa enfermidade. A idéia do filme é ótima, quando li a sinopse fiquei muito interessado pelo contexto de terrorismo poético e intervenção presentes na história. Tudo funciona muito bem até mais ou menos a metade do filme, quando a paixonite entre dois dos personagens faz com que o rapaz esqueça dos seus anos de prática em invasão de mansões e ponha todos os seus ideais e sua causa em jogo. É uma dessas situações que soam inverossímeis, principalmente quando acompanhamos a construção do caráter engajado e militante do personagem.


Um dos momentos mais lúcidos do cinema mais atual, no que diz respeito ao "amor" durante o filme, é quando a personagem Marji, do filme Persépolis, militante de ideais libertários, diz que o amor é um sentimento burguês. Tempos depois ela se apaixona por um rapaz, e percebe que os ideais não salvam uma pessoa dessas coisas. É simples, sincero, verossímil. Não há nada forçado, podemos sentir que a coisa acontece, tem seu tempo. Os Edukadores sofrem o contrário disso, o romance acontece rápido demais, e estraga tudo o que esperamos para o filme. Não que quebrar expectativas seja ruim, mas o filme poderia seguir um caminho mais "contestador", poderíamos dizer. É um bom filme, recomendaria aos amigos mas, no fim, ainda prefiro a revolução armada homossexual do Raspberry Reich.


03 agosto 2010

Dois mil e dez

Uma das partes mais importantes da minha vida é a música. Não muito em fazê-la, mas em ouvi-la. Ainda não consegui criar um ritmo que me satisfaça enquanto criador, e talvez nunca alcance isso então, por enquanto, fico só por ouvir.

2010 tem sido um bom ano para ouvir música. Digo por conta dos bons lançamentos que tive oportunidade de ouvir, como o Nos Chants Perdus, do Rome, ou o Immortel, dos Dernière Volonté, mas tive duas boas e reais surpresas esse ano.

A primeira: o novo da Dance of Days. Que belo disco! Depois do A dança das estações pensei que a banda iria se perder num som mais moderno, feliz e popular. Feliz engano, voltaram com um disco tão direto, agressivo e "sincero" quanto o Coração de Tróia. Nenê é um grande cara, mesmo.

Em segundo lugar, o Rotten Roma Cassino, de Salvatori e sua gangue. Quando assisti ao clipe de Darkroom Friendship pensei "certo, a banda acabou". Estava enganado. O álbum foi lançado e, embora não seja grandioso e genial como o antecessor, é um ótimo material, com belas músicas.

Outro grande momento "musical" de 2010 foi a possibilidade de ver, em São Paulo, a apresentação de duas grandes bandas americanas de Hardcore: Terror e H2O. Não conhecia muito bem o som do Terror, ouvi apenas dois álbuns, sem prestar muita atenção, e nem sei quantos a banda já lançou. Já de H2O sou um grande admirador, e estava bastante ansioso para vê-los ao vivo. As duas bandas foram espetaculares, mas é preciso dizer que o vocalista do Terror, Scott Vogel, é uma grande figura que realmente representa o espírito do que é (ou pelo menos deveria ser) o hardcore. Ele proporcionou os momentos realmente marcantes da noite, como quando disse "We are not a shit rock band, we are hardcore kids, just like you", ou quando disse que o microfone pertencia ao público e não a ele, e o jogou para que o pessoal cantasse. A parte mais bonita foi quando Scott, ao beber um gole de sua cerveja, levantou a lata de disse "com todo respeito aos amigos straight edges, que é uma coisa muito bonita". O cara sabe das coisas e, pra quem é de Brasília como eu, e vê uma separação ridícula e infantil entre sXe's "radicais" e não sxe's, foi algo belíssimo. Lembrei com isso de um trecho de uma música nova da Dance of Days, que exemplifica bem o que digo:

Olhe pra você.
Pare agora!!!
Tente entender, foi por tão pouco...
Roupas diferentes, "beber X não beber",
"amor X protesto" não deixaram ver
que roubavam aos poucos
tudo o que nos faz viver.

Enfim, apesar dos pesares do fim de semana, um grande concerto, com a melhor companhia que poderia haver. Espero ter mais oportunidades como essa em breve.