07 dezembro 2010

De quantas inspirações se faz um escritor?

Acredito que todos os que gostam de ler, verdadeiramente, já tentaram escrever algo. E todos que já tentaram escrever algo, em algum momento de suas vidas, encontraram o impasse da tal "inspiração".

Quando comecei a lidar com literatura, acreditava que os escritores eram seres escolhidos por forças divinas, que desciam à terra com o poder de contar maravilhas por meio de suas histórias escritas. Nessa época - era jovem - pensava que ninguém podia escolher, simplesmente, ser escritor. O escritor seria escolhido, só não sabia pelo que. Pela inspiração - uma musa - era uma boa resposta. Então o objeto desta reflexão deveria ser a tal inspiração.

Pois bem, se apenas uns poucos são agraciados com ela, quer dizer que não se podia escolher ser escritor, certo? O jovem e o religioso tem um ponto em comum: a crença de sempre há algo místico por trás das coisas. A inspiração era essa mística, essa benção concedida àqueles que nos brindam com seus relatos maravilhosos. Foi aí que li uma entrevista que bagunçou minhas ideias, falava que a literatura é mais transpiração do que inspiração. Para o autor de Morte e Vida Severina a literatura, como qualquer ofício humano, é produto da prática, do labor, da dedicação e aperfeiçoamento da técnica. Não adianta o sujeito ser agraciado com a mais alta inspiração, se for um preguiçoso que não se debruça sobre aquilo que lhe foi concedido. E assim João Cabral ensinou-me que sim, é possível escolher ser escritor, e para sê-lo, é necessário trabalhar. O violinista passa horas por dia ensaiando em seu instrumento, a bailarina sobre seus pés, por que diabos acreditar que o escritor senta em frente a uma folha de papel e ali "psicografa", de um só jato, todo o texto maravilhoso ditado por sua inspiração? Bobagem romântica.

Mesmo assim, para mim, ainda havia um ponto de interrogação ao redor da inspiração. Ela não é o estritamente necessário, mas também não é absolutamente descartável. Como diz o próprio João Cabral, o trabalho deve ser maior que a inspiração, mas não que ela não se faça presente, o que quer dizer que ainda assim precisamos dela. Foi quando comecei a pensar que a biografia seria estritamente relevante na obra de um bom escritor. Ele precisaria ter uma vivência interessante, conhecido muitas coisas, passado por situações as mais diversas, para ter material com o que trabalhar. Quer dizer, um homem comum, trabalhador semanal, sem dinheiro para viagens extraordinárias, não seria um escritor interessante. Felizmente, mas uma vez, cheguei à conclusão de que estava errado. Desta vez não por ler uma entrevista, mas por algumas reflexões ligadas à vida e obra de alguns escritores, embora, justiça seja feita, fortaleci meu ponto de vista com uma entrevista do Moacyr Scliar, onde ele afirma acreditar que o bom escritor é aquele que tem sensibilidade para retirar dos fatos mais corriqueiros particularidades suficientes para engendrar uma boa história.

No momento estou a ler o livro Papillon. É certo que Charrière (ou seja lá qual for o verdadeiro autor do livro) passou por poucas e boas, dignas de relatos extraordinários. Por outro lado, boa parte de sua história se passa dentro de celas escuras, onde várias vezes o personagem se encontra sozinho, e mesmo nesse momento o gênio literário prevalesce, conseguindo arrancar da rotina da reclusão solitária uma ótima história.

Um comentário:

  1. Penso bastante sobre isso tb. Como ser escritor se sua vida se resume a casa-trabalho-cerveja-casa e etc?
    Aí lembrei de "O Morro dos Ventos Uivantes". Brontë o escreveu sem nunca ter saído de sua vila, sem nunca ter visto nada na vida.
    Acho que uma parte é prática e a outra é a tal da inspiração.
    Quantas vezes você não estava a toa e do nada veio um texto inteiro à sua mente? Comigo pelo menos é assim. :)

    ResponderExcluir