13 abril 2011

Orgulho de quê?


Estava hoje a ouvir uma banda genérica de Oi! e uma das letras me fez pensar um pouco em como é construido esse lance da violência, da imagética do violento, suas motivações e direcionamentos, e fiquei um bocado chateado. Não que eu seja um pacifista, ou algo do gênero, mas perceber como a violência é aplicada de forma completamente arbitrária, imediatista, impensada é algo que torna as coisas um tanto confusas para mim. Pois bem, eis o trecho da letra:

Dia-a-dia é tudo igual, só trabalho e massacre
Minha grana é apertada, se não perco dá empate
Batalhar para viver essa é minha realidade
O importante é ter orgulho e lutar com dignidade


Bebedeira e futebol! A minha hora enfim chegou!

Saio cedo para o estádio, não me importa como eu vou
Hoje é dia de enfrentar cara a cara o inimigo

Que vai levar em dobro tudo o que fazem comigo


O que vejo aqui é um conceito de vida, de mundo, completamente distorcido e irracional. Desde o começo, com o verso "o importante é ter orgulho e lutar com dignidade". Ter orgulho de quê, exatamente? De ter um trabalho massacrante e, mesmo assim, não ter dinheiro o suficiente? Orgulho de batalhar para viver, sob a exploração de um patrão? Por esta lógica, o escravo do Brasil colonial deveria "ter orgulho" por ser escravo. Desde quando orgulho virou sinônimo de passividade? Somos oprimidos? Sim. Fazer o quê, então? Ter orgulho disso! A única conclusão que posso tirar desta estrofe é essa. Será que foi esse o objetivo ao escreverem-na?

Mas é na segunda estrofe onde tudo se perde. Vejamos; se você é explorado, tem um emprego que destrói seu espírito, sua dignidade e sua existência enquanto ser humano, e escolhe ter orgulho disso, bem, é uma opção individual e não tenho muito ao que me opor. Mas vamos pensar na frase "enfrentar cara a cara o inimigo". Quem é esse inimigo? Pelo contexto logo sabemos que o inimigo é o outro que está no estádio, aquele que pertence ao grupo diferente do narrador da letra. É a torcida do time adversário. Por que é inimigo? Voltemos ao inicio do trecho destacado; quem faz da vida do eu-lírico da letra um massacre? O torcedor do time adversário? Não, é o trabalho. Quem o obriga a trabalhar, pois não há outra maneira de sobreviver? O outro torcedor? Novamente, não, assim como não é ele quem lhe paga o salário miserável que o faz ter uma "grana apertada". Mesmo assim, ele é o inimigo, aquele que merece "em dobro" tudo o que o capitalismo, o assassino mercado de trabalho, o patrão sanguessuga, o salário patético fazem com o narrador. E por quê? Há uma resposta para isso, fora a arbitrariedade? Possivelmente, mas não acredito que quem escreveu a letra pense nisso. Para ele, esta situação é algo que simplesmente acontece, uma briga onde qualquer um serve de bode expiatório para suas vidas frustradas.

Lembro de uma música do Facção Central em que o Eduardo - com sua racionalidade impiedosa - escreve: "O jogador em férias no Caribe e a gente aqui, jogando bomba em quem torce para o outro time". Como ele percebe, há uma visão profundamente distorcida, infantil até, em considerar um outro torcedor como inimigo. Se a vida é opressiva por conta do trabalho, pela falta de dinheiro, é mais racional (mas não parece ser o mais fácil) pensar no indivíduo que ganha mais de 20 milhões de euros por ano como inimigo, ao invés de um sujeito que provávelmente vive a mesma vida que você, de emprego e salário humilhantes.

Este tipo de atitude (a da letra) perante as coisas se assemelha ao bebê que, ao chutar o sofá e machucar o pé, bate no móvel para se vingar.

Um comentário:

  1. A imagem do bebê foi a melhor ilustração possível para tudo o que você disse.

    Te amo!

    PS: Meu blogue (vigiliapatia) não está atualizando ali, na tua lista à direita. =\

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